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Universidade Federal de Alagoas - UFAL
 

17/03/2008
Ping-Pong
O teatro mágico de Maíra Viana

A escritora pernambucana abre seu apartamento em São Paulo à AUN e fala do seu livro, da carreira e de sua relação com a literatura e a comunicação digital, seu processo de criação

Por Manaíra Aires

A escritora pernambucana Maíra Viana é produtora há três anos do projeto musical O Teatro Mágico, em parceria com o músico e compositor Fernando Anitelli. Morando em São Paulo desde 2004, Maíra lançou, em dezembro de 2007, o livro de contos O Teatro Mágico em Palavras. O livro traz 21 histórias inspiradas nas músicas do espetáculo e no frenesi do cotidiano. Elementos que parecem corriqueiros ganham significados existenciais e a linguagem coloquial cria uma intimidade com o leitor a ponto de seduzi-lo por completo, de envolvê-lo em inteligentes metáforas sem que se precise de rebuscamentos para trazer à tona questões sobre os labirintos mais profundos da existência. Maíra abriu as portas de seu apartamento todo cor-de-rosa a Manaíra Ires para contar sobre o início de carreira, sua mudança para São Paulo, sua relação com a literatura e com a comunicação digital, seu processo de criação. O teatro mágico de Maíra está aberto para todos aqueles que querem “reagir desmedidamente sobre todas as coisas”, como escreveu Anitelli no prefácio do livro.

AUN - Você e o compositor Fernando Anitelli trabalham juntos há quatro anos no projeto musical O Teatro Mágico. Como surgiu essa parceria?

Maíra Viana - Nos conhecemos via Internet. Ele entrou no meu blog de contos por acaso e gostou do que leu. Então me convidou para ir a um show dO Teatro Mágico, um projeto que ele estava iniciando. Eu fui e, no final da apresentação, ele me deu um CD de presente e me pediu que eu escrevesse um conto inspirado em cada canção do disco. Em duas semanas eu escrevi dezenove contos inspirados nas dezenove faixas do CD. Ele gostou muito e decidiu abrir um link chamado “o teatro mágico em palavras”. Com o passar do tempo e a convivência, nos tornamos muito amigos. E em meio às conversas sem pressa, tardes de violão em minha casa e afins, começamos a imaginar como seria se conseguíssemos fazer uma música juntos.

AUN - E foi assim que surgiram duas músicas em parceria...

MV - Sim, foram duas músicas: “Pena” e “Cidadão de Papelão”. “Pena” surgiu quando eu e o Fernando decidimos promover uma festa chamada “O teatro mágico do espaço”, onde seriam tocadas algumas canções do Fernando em versão dance. Aí essa festa foi um fracasso porque caiu um temporal em São Paulo. O Fernando achou que o lugar era de difícil acesso e que as pessoas não estavam conseguindo achar. Então, pegou um banner dO Teatro Mágico, dobrou a calça jeans até o joelho e foi lá pra entrada da rua alagada ficar de plantão. O Fernando voltou da rua depois de meia hora, todo molhado, com tosse, e me perguntou como estavam as vendas. Me deu muita dó dele! Dó de ver um poeta com tanto talento passando por tudo aquilo, coisas que refletem muito na música “Pena”. Nunca esqueço a expressão dele de desânimo, de descontentamento. Quando ele está no palco e as luzes se acendem, ele é o astro e ninguém se preocupa ou pensa no que acontece quando as cortinas do teatro se fecham e o palhaço vai lá atrás na coxia contar as moedas que podem ou não fazer valer a sua arte.

AUN – E a música “Cidadão de Papelão”, como surgiu?

MV - Muito tempo depois de compormos “Pena”, estávamos de bobeira aqui em casa quando o Fernando me falou que tava fazendo um rap, mas que só tinha até então a frase “o cara que catava papelão pediu um pingado quente”. Aí eu perguntei qual a mensagem que ele queria passar com essa música. Eu defini que poderíamos falar da situação das pessoas que vivem nas ruas, que estão à margem da sociedade, que não têm direito a nada. Depois que eu fiz o maior discurso e padronizei o tema de que poderíamos tratar na música, o Fernando começou a tocar e a colocar mais umas frases. A música foi nascendo. Debatemos muito o que significava tudo aquilo. Mas o melhor mesmo é que, compondo “Cidadão de Papelão”, eu descobri que o Fernando não compõe tipo “vou escrever uma música sobre tal tema” e começa a escrever. Não é assim não.

AUN - Então você e o Fernando possuem maneiras bem diferentes de escrever e de compor...

MV - Vem uma frase na cabeça dele junto com a melodia do violão e ele vai emendando a outras frases. Às vezes tem a ver, às vezes não tem. Mas ele vai mexendo e se foca somente na melodia, se as palavras estão se encaixando bem com o que ele está tocando. Daí, no final, ele lê tudo e descobre se fez sentido ou não, descobre qual é o tema da música. Acho isso muito maluco. Eu, quando vou escrever um texto, artigo, crônica, primeiro penso no que eu quero transmitir ao contar aquela história, que mensagem quero passar ao leitor. Aí depois me preocupo com as construções, as palavras, as frases. O Fernando faz o processo inverso, é engraçado, se deixar, ele apenas "psicografa" as músicas.

- Você sempre usou uma linguagem cotidiana para compor suas metáforas ou, ao longo do tempo, você percebeu que a linguagem sem rebuscamentos faria com que mais pessoas compreendessem seus textos?

MV - Eu escrevo da maneira como eu, leitora, gostaria e me interessaria por um texto, por uma história. No mundo de hoje, cheio de tecnologia, onde a televisão exibe novelas e minisséries com enormes cidades cenográficas, os efeitos especiais de Matrix e filmes do gênero, a rapidez da Internet, você acha que um escritor prenderá quantos leitores com um texto rebuscado que demora três páginas só pra dizer que a moça se debruçou na janela? Hoje as pessoas são muito ligadas à imagem, tudo tem que ser visualizado. Eu já fui criada com uma cultura assim. Muito cinema, muita TV, muita Internet. Então eu escrevo de forma que o leitor possa realmente ver tudo o que eu estou contando, eu quero que ele faça um filminho na cabeça dele. Minha literatura está se encaminhando cada vez mais pra isso.

AUN - Nesse mundo marcado pela pressa e pela praticidade, é mais fácil escutar música do que se concentrar para ler um livro. Com O Teatro Mágico em Palavras você teve ousadia e sucesso...

MV - Eu acho que ler exige muita concentração e as pessoas de hoje estão sempre com pressa, estão sempre fazendo duas coisas ao mesmo tempo. É exigir demais delas que leiam dez páginas para entender um conto. Eu achei que o livro não teria muito sucesso, pois a música tem um apelo de mercado muito maior, a música vende mais que livro, isso é fato. Você pode fazer ginástica ouvindo música, você pode lavar louça ouvindo música. Acho que o meu livro teve sucesso justamente por levar às pessoas essa coisa do mundo rápido, dinâmico. Os contos têm entre dez e quinze linhas, me preocupei que o livro tivesse ilustrações e cada frase que escrevi ali é facilmente visualizada pelo leitor. Ele não tem que fazer muita força para imaginar a menina escondida numa casa da árvore ou a outra que vai num baile e conhece alguém que pode mudar a sua vida. Acho importante ilustrações, acho importante o texto ser curto. Porém, o mais difícil dentro de tudo isso ainda é levar ao leitor as metáforas, as reflexões.

AUN - Nos contos que você escreve, as cenas são fáceis de se imaginar, mas elas não caem num clichê, pelo contrário, são metáforas inteligentes...

MV - Acho que consegui não cair nos clichês ou na literatura fácil feita pro mercado, uma literatura boba como muitas que vejo por aí. Contar história com linguajar coloquial e poucas linhas é fácil, mas colocar em dez linhas uma mensagem e uma metáfora como a da lagarta que vira borboleta é muito mais complexo.

AUN - Quais as suas principais influências que culminam no seu estilo de escrita?

MV - Acho que meu texto sofre duas influências básicas que se completam: fui criada pelo cinema e pela televisão, com o uso de imagens, textos curtos e dinamismo. Isso se aliou a uma outra coisa que eu acho fundamental na minha formação: o fato de tanto meu pai quanto minha mãe ser psiquiatra. O meio em que habitei quando criança, as conversas que ouvia, os livros que eu lia... Acho que por isso eu passo sempre por processos de interiorização quando escrevo... Acho que me conheço um pouco mais do que as pessoas por aí se conhecem. Consigo lidar com minhas esquisitices, consigo apontá-las, dialogo comigo mesma.

AUN - E suas influências literárias, quais são?

MV - Eu não sou muito boa leitora (risos). Na verdade, é difícil eu terminar de ler um livro. Que vergonha dizer isso! (risos). Mas já li bastante coisa por conta do colégio, por conta da faculdade e até por uma questão de conhecimento mesmo. Se quero ser escritora, tenho que conhecer escritores, entender como eles fazem, o que é legal, o que não é. Mas poucos são os textos que realmente me prendem. Eu gosto muito dos livros da Clarice Lispector. Minha mãe acha que escrevo parecido com ela. Eu acho que não. Mas a Clarice tem uma coisa que me fascina: as personagens são felizes sendo tristes, sofrendo, e eu já fui muito assim. A personagem de A Hora da Estrela ia ver as vitrines só para se mortificar mais um pouco. Tipo, ela diz isso com ânimo, ou seja, sofrendo é que ela se satisfaz, fazer o papel da infeliz é o que lhe cabe, é o que lhe dá contentamento. Certa vez eu falei para minha terapeuta que às vezes eu passava por momentos de extremo sofrimento, ficava chorando no quarto, em silêncio, e que assim eu me sentia bem, eu me sentia quase feliz por estar ali tão mal. Olha que loucura! Então minha terapeuta falou que eu precisava ler Clarisse Lispector.

AUN - A arte gráfica do seu livro está baseada em xilogravuras e resgata suas raízes nordestinas, mas os contos apresentam um conteúdo bastante urbano, a vida na cidade grande... O livro é onde esses universos se encontram? É o resultado de sua mudança para São Paulo, em 2004?

MV - Eu tive a sorte de encontrar o Rodrigo Franco, que ilustrou o meu livro. Ele é muito talentoso e se revelou extremamente sensível aos meus textos. Eu sempre fui muito vinculada ao urbano, minhas histórias sempre foram urbanas. Algumas delas que estão no livro não são tanto... Tem um tom de fábula por inspiração na obra do Fernando, pois muitas músicas dele são grandes fábulas. A influência do Fernando tirou um pouco os meus pés do chão. Passei a escrever sobre o menino que faz mágica, a lagarta que vira borboleta, essas coisas. Minha veia é muito urbana, sempre foi, e aqui em São Paulo isso só se amplificou.

AUN - Muitos de seus contos e crônicas foram primeiramente divulgados em seu blog, na web. Como você acha que a comunicação digital tem modificado a relação do escritor com o seu público?

MV - Acho que essa comunicação digital tem sido fundamental porque abre espaço para todos. Acredito que os novos escritores ou os aspirantes a escritores podem, de várias maneiras, utilizar a Internet como vitrine, assim como os músicos o fazem disponibilizando suas músicas em mp3. No meu caso, mantenho um blog que há quatro anos já me deu muitas recompensas. O Fernando, por exemplo, se deparou com minha “vitrine” entre tantas webpages por aí e resolveu fazer contato. De lá pra cá, muitas outras pessoas do meio tiveram acesso ao que escrevo, ao meu desejo sincero pela literatura. Hoje tenho um livro publicado e um outro que estou escrevendo no momento. Porém, paralelo a eles, ainda alimento a “minha vitrine” com outros textos, pois sei que, a partir dela, posso garimpar mais internautas dispostos a se tornarem possíveis leitores de meus livros.

AUN - O novo livro que você está escrevendo é de contos também?

MV - Não é um livro de contos, é uma história de ficção que segue influência da linguagem cinematográfica, especialmente de nomes como Abbas Kiarostami, Jean Pierre Jeunet e Paul Thomas Anderson. As idéias surgiram durante o período do carnaval, quando me tranquei no meu mundo, no meu apartamento, e fiquei por cinco dias sozinha, sem falar com ninguém e sem atender ao telefone. Só assistia a filmes, ouvia músicas e escrevia. Preciso de ócio para ter idéias, preciso de paz para prosseguir com o livro.

AUN - Como é o seu processo de criação?

MV - Uma coisa de que eu gosto muito é visualizar meus personagens. Às vezes eu faço colagens, uns recortes de imagens da web que colo no Word, e vou montando meus personagens. Deixo as colagens aqui, em meu quarto, à mostra. Mesmo que eu não esteja escrevendo, estou olhando pra eles, lembrando deles, e daí surgem as idéias. É uma maneira de manter meus personagens à minha vista.

Para saber mais sobre a escritora Maíra Viana, acesse:

http://www.mairaviana.blogger.com.br - http://www.vergonhadope.blogger.com.br/

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