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Universidade Federal de Alagoas - UFAL
 

21/12/2010
arte
UMA ARTE CASUALMENTE CAVALCANTE

Como Eva Cavalcante se tornou uma das maiores artistas plásticas alagoanas da contemporaneidade: autoral, universal, libertadora, delicada, refinadamente ingênua e obsessivamente honesta

Por David Lucena & Isadora Machado

A alagoana Eva Maria Costa Cavalcante era apenas uma jovem de 26 anos quando foi morar no Rio de Janeiro, onde seu marido faria pós-graduação. Sentia dificuldade para se adaptar a uma cidade grande no fim dos anos 1970. Estressada, entediada e com saudades de casa, aceitou o conselho da médica do seu filho, que a achou um pouco triste, e resolveu ir a uma psicóloga. Já na primeira consulta, a terapeuta pergunta a Eva se não há nada que ela goste de fazer, um hobby. Ao que ela prontamente responde "sou louca por pintura", a psicóloga rebate: "Poxa, aqui ao lado do consultório tem uma escola de artes maravilhosa." Ela se referia à Escola de Artes Visuais do Parque Lage, a maior do Brasil, na qual Eva viria a estudar, construir toda a sua base artística e se tornar, anos depois, uma das maiores pintoras contemporâneas de Alagoas. E, assim, o acaso começa a se fazer presente na carreira de Eva Cavalcante.

O primeiro curso que Eva fez no Parque Lage foi em 1980. Era um básico, chamado Iniciação à Pintura, de apenas dois meses de duração. "Dois meses suficientes para que eu voltasse em janeiro, ávida por mais aprendizado", relembra a então aprendiz de artista.

Pintura como Objeto foi o curso iniciado em janeiro. Em meio a alunos com uma certa caminhada artística, Eva sentiu-se um pouco acuada, a princípio. "Alguém fazia cinema na PUC, outro já vinha de outra universidade. E eu apenas com o 2º grau, dona de casa. Fiquei meio tímida de estar ali no meio daquelas feras."

De fato, as primeiras aulas não foram fáceis. No começo, o curso parecia bastante complicado para alguém que tinha pouquíssimo contato com as artes visuais. Ela confessa inclusive ter chorado algumas vezes na volta para casa, dada a dificuldade que estava enfrentando no Parque Lage. "Nunca falei isso pra ninguém, mas tinha dias que eu saía chorando do curso. As lágrimas desciam, eu de óculos escuro. Porque eu encontrava muita dificuldade. Era muito difícil pra mim."

Certa vez, quando elaborava um projeto em casa, na companhia do seu filho Henrique, sentiu-se tão incapaz de fazer aquela atividade que, em um ato de desespero, ela literalmente jogou tudo que estava sobre a mesa para cima. Henrique, então um garoto de apenas 11 anos, assustado com o gesto da mãe, perguntou: "O que foi isso, mamãe?". Eva respondeu que não era nada, que aquilo era muito difícil. Mas o menino aproxima-se dela e diz: "Mamãe, e você vai desistir no primeiro obstáculo?". "Como é que eu ia dar um exemplo desse a um filho de 11 anos? Só esperei o último papelão cair de volta na mesa e dei continuidade ao projeto", recorda com bom humor a mãe Eva Cavalcante.

Realmente, ela não desistiu. Dos mais de trinta alunos que ingressaram no curso Pintura como Objeto, Eva foi uma das cinco que concluíram. Depois de três anos no Parque Lage, a agora artista Eva Cavalcante deu continuidade, de forma mais independente, ao seu trabalho na pintura. Mudou-se para um ateliê compartilhado, passou pela fase rosa (onde fez várias pinturas "monocromáticas") e expandiu seu trabalho para telas maiores.

RELAÇÃO COM O ACASO – Aos 52 anos, Eva retorna à Maceió. Recentemente, relata sua amiga e professora de Linguagem Visual do Cesmac Socorro Lamenha, quando Eva trabalhava em mais uma de suas pinturas, com a tela deitada sobre o chão, como de costume, um pedaço de papelão casualmente rasgado que ela usara para separar as tintas cai sobre o azul do canto superior esquerdo da obra. Diferentemente da reação da maioria dos artistas, que seria de tentar tirar aquela peça intrusa sem causar danos à pintura, Eva deixa na tela aquele elemento surpresa, que, embora para muitos pudesse ser um defeito, é re-significado nas mãos desta artista como uma representação dos acasos da vida humana. "O acaso e Eva sempre estão se cruzando na vida", afirma Socorro.

E esta relação com o acaso tem forte fundamentação na artista plástica e ensaísta Fayga Ostrower. Foi em uma das férias de Eva em Maceió que, enquanto caminhava pelos sebos do Centro da cidade, deparou-se com um exemplar de Acasos e Criação Artística, de Ostrower. O título chamou-lhe a atenção e ela decidiu comprá-lo por R$1. Ao ler sua nova aquisição, encontrou naquele livro usado conceitos que fundamentavam suas pinturas casuais e intuitivas. "O acaso foi o meu primeiro conceito", revela Eva.

Muitos outros conceitos e aprimoramentos foram incorporados ao seu trabalho. E é por isso que hoje, 30 anos depois de sua Iniciação à Pintura no Parque Lage, Eva Cavalcante é considerada uma artista autoral, universal, libertadora, delicada, refinadamente ingênua e obsessivamente honesta, mas, sobretudo, conforme diria Fayga Ostrower, significativamente casual.

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