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Universidade Federal de Alagoas - UFAL
 

30/10/2007
Ping-Pong
“Oligarquia política atrasada, corrupta e violenta”

Em entrevista à AUN, o sociólogo Cícero Albuquerque explica como políticos desmoralizados conseguem se reeleger e diz que 64% dos alagoanos ganham até um salário mínimo

Por Diego Barros

Cícero Albuquerque é graduado em História e possui Mestrado em Sociologia. Ele já foi professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e atualmente leciona em outras quatro faculdades em Maceió. Em relação ao modo de vida em sociedade, diz que não tem certeza do que vai acontecer no futuro, mas não acredita em “barbárie”. “Não creio no paraíso como não creio no inferno”, ressalta, mas completa: “não temos a certeza dos iluministas de que o futuro será melhor, pelo contrário, a gente teme que nem futuro a gente tenha”.

Na entrevista, concedida ao formando em jornalismo Diego Barros, Cícero Albuquerque analisa os principais problemas sociais enfrentados por Alagoas e pelo mundo. Ele explica as causas de algumas mazelas e suas conseqüências para a população. Também defende a democracia, aponta suas falhas e critica a política alagoana. “O que causa os problemas é a contradição social, é o controle da riqueza por uma parcela pequena da população”, afirma. De acordo com o sociólogo, nem toda propriedade privada deve ser respeitada, pois “menos vale o patrimônio e mais vale a vida”.

AUN: Geração após geração, há políticos corruptos e injustos, mesmo sabendo que o que fazem é ilegal e imoral. Por que os eleitores nunca acertam completamente quando votam? Por que candidatos que já foram desmoralizados e até condenados pela justiça conseguem se reeleger?

Cícero Albuquerque: Primeiro, a política é uma área muito complexa, e como todo e qualquer campo de vida em sociedade, a gente está sempre sujeito a acertar e errar. A diferença é que na política os erros têm um impacto muito grande na vida da sociedade. A gente lida com instâncias de decisão, com fóruns que definem a vida de muitas pessoas, com poder sobre os outros, com volumes muitas vezes grandes de recursos, com vaidades pessoais. É uma arena de muitas vaidades. Não é que os eleitores errem, necessariamente. Muitas vezes a gente acerta. O problema é que muitas vezes os eleitos mudam de posição, alteram posicionamento histórico. Nenhum país do mundo, nenhuma sociedade que tenha a democracia representativa está isenta, está livre de ter problemas com seus governantes. Isso vale para qualquer campo da sociedade: a representação estudantil, a representação sindical. Toda e qualquer representação é extremamente complexa, ela é extremamente difícil de ser efetivada, de ser realizada e de ser controlada. A outra coisa é por que pessoas que já tiveram posicionamento e situações públicas de desmoralização, de revelação de corrupção se reelegem. Um caso é o de um cara como o Maluf, em São Paulo. Um grande centro, uma cidade importante, mas que tem suas mazelas e que tem seus vícios. Outra coisa é um cara lá do “interiorzão” que também... as relações são mais diretas, e que tem de outra forma suas mazelas e seus vícios. No momento em que uma parcela grande da população entende, por exemplo, que todo mundo é desonesto, que os costumes são todos iguais, se o camarada acredita nisso, por que ele troca o Maluf por outro? Ora, não há motivo. Ele não tem mais como se decepcionar com o Maluf, por exemplo. E como ele acha que qualquer um fará a mesma coisa, não há muito o que mudar. É claro que esse fenômeno é mais complexo. A gente tem votos de cabresto, tem voto de favor, tem voto de cadastro, tem voto de amizade. Tem uma infinidade de práticas que permitem que pessoas já envolvidas com práticas de corrupção sejam eleitas e reeleitas sistematicamente.

AUN: A forma representativa de governo tem se mostrado falha?

Cícero Albuquerque: Falha ela é. O problema é dizer assim: e depois dela, ou além dela, o que a gente pode? Em geral você pode pensar ou em uma democracia direta – um pouco difícil para as grandes cidades, para os grandes centros – ou não participar do processo, que é uma outra posição, na qual eu não acredito. Todos os países do mundo, todas as sociedades têm problemas com seus representantes. Não há garantia de que o representante representará a vontade do representado.

AUN: Quais são os principais benefícios para um povo que delega seu poder a um representante? E os malefícios?

Cícero Albuquerque: Em princípio, a proposta primeira de que há democracia. Você escolhe seus governantes. Pior do que você ter uma democracia representativa com falha é você ter ditadura, e a experiência no Brasil é muito clara em relação a isso. Vamos ter que encontrar meios de aprimorar a democracia representativa, construir mecanismos de controle sobre os nossos representantes. Os representantes, por sua vez, precisam estar em sintonia com os representados. Numa sociedade de classes, nem todo representante pode fazer isso, porque o camarada faz um discurso e o processo é outro. O que eu acho que a gente pode fazer é que cada um que acha que ainda vale a pena participar da democracia representativa é começar a acompanhar seus representantes, a fiscalizar. Vote com perspectiva de classe e, não deu certo, mude o representante, não há outro caminho.

AUN: Para que a humanidade pudesse conviver em sociedade, as tarefas foram divididas. Há instituições e entidades responsáveis pela segurança, pela saúde, pela educação. Qual motivo impede que essas instituições ofereçam atendimento de excelência, uma vez que a sociedade paga seus impostos?

Cícero Albuquerque: A sociedade que a gente está falando é uma sociedade de classes, e essas excelências não se realizarão nessas sociedades. O que causa os problemas, em geral, é a contradição social, é a desigualdade, é o controle da riqueza por uma parcela pequena da população, é a falta de acesso da maior parte da população aos bens fundamentais. Tudo isso é causa. E essas instituições muitas vezes existem para manter o controle, manter o domínio da parte mais pobre. Quando Marx dizia assim “o Estado é um instrumento de dominação de classe”, a gente não pode ter ilusão, especialmente com um Estado burguês. Essa excelência, se existe em algum lugar do mundo, custa caro ao resto dele.

AUN: Em Alagoas, por exemplo, servidores dessas três categorias fizeram greve recentemente. Os problemas aqui são maiores que em outros lugares?

Cícero Albuquerque: Claro. Nós somos um Estado pequeno, com uma economia – comparada com outros Estados do País – um pouco significativa, com uma trágica herança do período colonial, de escravidão, com uma concentração de riqueza brutal: 68% dos alagoanos ganham até dois salários mínimos; 64%, até um. Logo você vai perceber que com uma oligarquia política atrasada, corrupta e violenta, essa conjunção de fatores nos faz muitas vezes pensar como ainda é possível o mínimo que a gente tem.

AUN: Qual a parcela de responsabilidade da população nesse contexto?

Cícero Albuquerque: Acho que a população tem uma parcela de culpa. Tem, mas a população é muito mais vítima nesse processo do que qualquer coisa. A classe trabalhadora, de forma especial, que produz riquezas, mas que herdou a pobreza, é vítima disso. Este Estado, que não garante os bens fundamentais mínimos, é um Estado falido. O Estado de Alagoas é um Estado falido, porque foi levado a esses termos por uma elite política que só pensou em sugar, uma maldita herança portuguesa de que isso é um espaço de colonização e de exploração, que perdura entre nós como poucos lugares do País.

AUN: Qual o nível de participação política dos alagoanos?

Cícero Albuquerque: Se você entender que os movimentos sociais, os sindicatos, as organizações estudantis e as organizações sindicais são instâncias e instrumentos de participação política, nós diríamos que nós não somos excelência, mas nós temos avançado nesse sentido. Temos necessidades, lógico, precariedade, e não poderia ser diferente nessa realidade você ter movimentos, organizações excelentes. Nós temos dificuldades. Eu entendo isso como participação política e entendo que essa participação é o que tem forçado o Governo a adotar medidas. Sem isso nós estaríamos perdidos.

AUN: Alagoas é uma “Estrela Radiosa” ou um “Ninho de Cobras”? Por quê?

Cícero Albuquerque: Nem uma coisa nem outra. Esses maniqueísmos de que é uma coisa ou outra... Alagoas é uma sociedade, um Estado como outros que têm problemas e que têm qualidades, um Estado bonito, um povo bonito, um monte de problemas, um Estado que vem procurando um caminho, mas que não vem tendo muitas oportunidades, um Estado desigual, injusto, socialmente falando, mas com uma organização social cada vez mais crescente. Quem vive aqui tem que entender que tem que enfrentar isso, contribuir de alguma maneira.

AUN: Aqui e em outros lugares, por que não se respeita a propriedade privada, há tantos furtos e roubos?

Cícero Albuquerque: Eu acho que tem propriedade privada que não tem que ser respeitada mesmo. Eu não estou preocupado com a propriedade privada, não. Quem deve estar preocupado com a propriedade privada é a classe dominante. Eu parto da concepção de que aqui tem roubo e tem violência como em qualquer lugar do Brasil. O nosso maior problema são os crimes contra a vida. Por que não se respeita a vida? Por que em Alagoas a gente tem uma violência tão enrijecida, tão cultural? Isso é o que me preocupa. Oitenta por cento dos presos do Brasil são presos que cometeram crimes contra o patrimônio. Em Alagoas, por curioso que seja, o índice é o mesmo. O trágico disso é que os crimes contra a vida não são punidos como deveriam. Pra mim, menos vale o patrimônio e mais vale a vida.

AUN: Os bens naturais são insuficientes para atender às necessidades de todos ou eles são mal distribuídos?

Cícero Albuquerque: Eu acho que o problema nosso e em qualquer lugar do mundo não é que faltem bens. Nós temos bens, sim. Se a gente for comparar com a América Central, a economia de Alagoas é mais forte, e apenas perderia para o México. O fato é que nós temos uma economia razoável. Alagoas não é um Estado paupérrimo como se pensa, é um Estado com concentração brutal de riqueza. O problema não é de soma, é de divisão. Nós dividimos mal: enquanto 68% ganham até dois salários mínimos, você se escandaliza. Você tem setores da economia alagoana que são de ponta: a cana-de-açúcar é um deles. O problema é que não distribuímos essas riquezas.

AUN: Por que a humanidade, num estágio tão avançado de civilidade, não consegue resolver tudo pela diplomacia?

Cícero Albuquerque: Os iluministas foram muito otimistas quando pensavam que a razão e a ciência moderna levariam a humanidade a um estágio de aprimoramento cada vez maior. Chegamos ao Século XXI e temos problemas que já havia há dois séculos, e a saída pela guerra é uma prova disso. Não acho que a gente tenha avançado no sentido de civilidade. Nós avançamos do ponto de vista científico, tecnológico, mas o progresso não se dá em todos os campos. Aliás, o Rousseau era um dos poucos que naquele instante tinham dúvidas e questionavam o progresso da razão humana de forma meditável.

AUN: Estamos vivendo uma época de caos?

Cícero Albuquerque: Cada geração tem a mania de achar que vive um momento excepcional. É claro que nós temos caos. Se você tratar a questão ambiental, é caos; se você tratar que a humanidade produz alimentos e energia capazes de abastecer 18 bilhões de pessoas, que nós somos seis bilhões e que, desses, dois terços passam fome, vivem na pobreza ou na miséria, é caos. Se você, por outro lado, entender o avanço da medicina, o avanço nessas áreas e a preocupação de encontrar a saída para os problemas, o debate da questão ambiental, não é caos, é um momento muito animador. Não temos a certeza dos iluministas de que o futuro será melhor. Pelo contrário, a gente teme que nem futuro a gente tenha.

AUN: Podemos voltar a viver na barbárie, cada um decretando sua guerra e sua paz?

Cícero Albuquerque: Não acredito nisso, não. Eu acho que a barbárie a gente tem em diversos campos da sociedade e sempre teve. As relações de sociabilidade da cidade moderna têm construído saídas, têm buscado alternativas. Não creio no paraíso como não creio no inferno, na barbárie completa. Nós teremos problemas graves para resolver, e temos cada vez mais, mas não sei se “barbárie” é a expressão que a gente vai viver, se a experiência humana futura é essa.

AUN: Existe outra opção, outro modo de vida?

Cícero Albuquerque: Têm muitas propostas, muitas saídas. Os anarquistas apontam um caminho; os socialistas e comunistas apontam outro; as religiões apontam outro. Há propostas, a humanidade vem procurando saídas, que não são fáceis, naturalmente, mas há saídas.