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Universidade Federal de Alagoas - UFAL
 

14/04/2009
Opinião
Um Conto de Fadas em Mumbai

Grande vencedor da última edição do Oscar, o longa Quem quer ser um milionário? utiliza a miséria e a violência de favelas indianas para contar uma história de otimismo e amor

Por João Paulo da Silva

Após sair da 81ª edição do Oscar com oito estatuetas, nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição, Melhor Fotografia, Melhor Trilha Sonora, Melhor Canção Original ("Jai Ho") e Melhor Som, Quem quer ser um milionário? (Slumdog Millionaire, EUA/Ing, 2008) ganhou, definitivamente, ares de narrativa espetacular. Produzido com US$ 15 milhões, um valor baixo para os padrões de Hollywood, o filme do diretor inglês Danny Boyle (A praia e Cova Rasa) conta a inebriante história de amor de Jamal (Dev Patel) e Latika (Freida Pinto), vivida numa amarga e miserável Mumbai.

As primeiras cenas mostram a figura sofrida de Jamal Malik, um jovem de 18 anos que serve chá num centro de telemarketing, cara a cara com seu torturador, um policial inescrupuloso que tenta a todo custo arrancar uma confissão. Horas atrás, o rapaz torturado estava a uma pergunta do inacreditável prêmio de 20 milhões de rúpias (moeda indiana), entregue pelo programa de TV Quem quer ser um milionário para o vencedor do tão disputado quis show.

Ao responder corretamente uma a uma as perguntas feitas pelo cínico e preconceituoso apresentador Prem Kumar (Anil Kapoor), Jamal passa a despertar uma desconfiança. Estaria ele trapaceando? A suspeita de Kumar se baseia no seguinte questionamento: como é possível que um jovem pobre e sem estudos possa responder a perguntas que nem mesmo advogados e intelectuais conseguiram? É a partir deste ponto que Jamal começa a contar a história de sua vida e a razão maior que o levou a participar do programa milionário.

Vendo que as torturas não arrancariam a confissão desejada, o inspetor de polícia decide ouvir, então, como alguém que mal foi à escola sabia responder todas as questões. “Não é preciso ser um gênio”, ironiza o rapaz. E conclui com a obviedade até então inaceitável: “Eu sabia as respostas”.

Numa estrutura de flashbacks, Jamal vai revelando como as respostas para todas aquelas perguntas estavam, de alguma forma, presentes em sua história de vida. Algo tão ingênuo como o questionamento sobre de quem é o rosto estampado na nota de cem dólares. Como Jamal sabia que se tratava de Benjamin Franklin? Quando criança, segurando uma nota de cem, outro garoto disse a ele de quem era o famoso rosto. Simples assim. O mesmo acontece com o restante das perguntas. Todas as respostas estavam nas situações que Jamal viveu.

Pouco a pouco, o interrogatório vai mostrando o caminho incrível e miserável trilhado por Jamal. Ele e seu irmão mais velho, Salim, nasceram e foram criados numa abominável favela de Mumbai, onde os barracos se equilibram sobre fezes e montanhas de lixo. Ainda crianças, tiveram a mãe assassinada num ataque contra mulçumanos e passaram pelas mãos de um explorador do trabalho infantil. Jogados num mundo desgraçado e violento, Jamal e Salim aprenderam a se virar sozinhos, mesmo que para isso fosse necessário roubar comida ou enganar turistas com histórias inventadas sobre o Taj Mahal.

Por fim, após repassar toda sua vida, Jamal revela para a polícia o motivo que o levou a participar do programa: reencontrar Latika, seu amor desde a infância, de quem o rapaz se perde incontáveis vezes ao longo da história. A crença de Jamal era simples. Ele imaginou que a moça o veria na TV. Afinal de contas, naquele momento, quem não estaria vendo um favelado se tornar milionário?

Do real à fantasia – Quem quer ser um milionário? é, de fato, um conto de fadas. Mas não um conto de fadas inteiramente convencional. O primeiro mérito do filme é expor uma Índia completamente diferente da que é apresentada, por exemplo, no patético folhetim de Glória Perez, Caminho das Índias, da rede Globo. Na novela, o país asiático é mostrado com foco no “incrível” crescimento econômico dos últimos anos, sem mencionar, claro, que este é resultado de uma superexploração da mão-de-obra barata de milhões de trabalhadores.

O filme do diretor Danny Boyle, que chegou a ser comparado ao brasileiro Cidade de Deus, sob o aspecto da violência e da miséria, revela uma Mumbai de pobreza assustadora, onde mais da metade dos 19 milhões de habitantes vive, literalmente, em cima das próprias fezes. Quem quer ser um milionário? não esconde a maneira como a vida se desenrola para a maioria dos indianos.

Tragédias sociais e econômicas de toda a espécie surgem diante do espectador como um soco no estômago, trazendo à tona o contraste de uma Índia que cresce economicamente e ao mesmo tempo aprofunda a miséria de seu povo. É brutal perceber e impossível negar o horror da violência exercida pelos exploradores do trabalho infantil no filme. A cena presenciada pelo irmão de Jamal em que uma criança é cegada pelo fato estarrecedor de que um mendigo cego é mais lucrativo traduz ao máximo este aspecto.

Entretanto, tudo isso não impede que a história de Jamal e Latika guarde fortes traços dos contos de fadas. Há um grande apelo em torno do destino mágico das personagens, ao melhor estilo de “estava escrito nas estrelas”. Não faltam ao filme, também, intensas cenas de ação para prender o espectador, música dançante e sequências contagiantes. Além, é claro, de uma história de amor com final feliz e muito dinheiro no bolso.

Um dos pontos que mais suscitou críticas ao filme foi, justamente, o tratamento que o diretor deu ao modo como Jamal e Salim encaram sua miséria absoluta. Para alguns críticos, Quem quer ser um milionário? parece criar a imagem de que, por pior que seja a situação, os dois garotos não perdem as esperanças e insistem numa alegria de quem acredita que o destino guarda algum tipo de recompensa, mesmo depois que Salim é ganho para o crime.

Outros críticos não suportaram a idéia de que Boyle fez um filme que fala de miséria e violência, mas sem as costumeiras lamentações e até bem-humorado. O jeito malandro que os meninos encontraram para sobreviver é capaz de arrancar risadas. A história até pode ser acusada de tentar suavizar o sofrimento, mas não de escondê-lo. A narrativa oscila entre a crueldade da vida indigente e uma alegre aventura pela sobrevivência.

Uma história improvável, mas bonita – Quem quer ser um milionário? é um filme otimista, verdade seja dita. Talvez contagiado pela onda esperançosa de algo que parecia impossível: a eleição de um negro para a Casa Branca. Um otimismo que, mais cedo ou mais tarde, vai acabar. Mas já que a vida de Jamal e Latika pretendia ser mesmo um conto de fadas não faria muito sentido se não fosse otimista.

O perigo do filme é cair no erro de mostrar a história de Jamal como uma regra, e não como uma exceção. Há uma cena que, de certa maneira, demonstra isso. Quando Jamal está prestes a responder a última pergunta que lhe dará o prêmio máximo, os milhões de miseráveis e famintos da Índia, com os olhos vidrados na TV, se transformam em Jamal Malik. Todos querem ser o garoto (agora milionário) de Mumbai, numa compreensão tácita de que suas vidas só poderiam ser mudadas com um prêmio semelhante.

É impossível, porém, não torcer pelo amor de Jamal e Latika. Mesmo com todos os clichês existentes, o filme consegue fazer o que sempre pretendeu: narrar um fabuloso conto de fadas. Como não sorrir abobalhado quando Jamal, se passando por um cozinheiro, vai resgatar seu grande amor da casa de um poderoso bandido, dizendo:

- Venha comigo.

- Mas nós vamos viver de quê?

- De amor.

Quem quer ser um milionário? é uma história improvável, mas nem por isso deixa de ser bonita.



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