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Universidade Federal de Alagoas - UFAL
 

09/04/2009
Ping-Pong
Tony Bellotto diz que personagem é o seu alter ego

O guitarrista dos Titãs fala da adaptação do seu livro Bellini e o Demônio para o cinema, e do preconceito que sofre por ser músico e também escritor

Por Manaíra Aires

O escritor e músico dos Titãs Tony Bellotto esteve presente no primeiro final de semana do Fantasporto* para divulgar o seu livro Bellini e o Demônio (Companhia das Letras), que em Portugal foi lançado com o título de Um Caso com o Demônio. Com uma carreira iniciada na década de 1980 e casado com uma das mais famosas atrizes brasileiras, Malu Mäder, Bellotto fala em entrevista AUN sobre a adaptação do seu livro para o cinema, o preconceito que sofre por ser um músico que também é escritor, a crítica de arte e o intercâmbio cultural.

AUN – Quem é o personagem Bellini?

Tony Bellotto – No começo ele nem era um detetive, eu pensei num alter ego meu, alguém que refletisse um pouco da minha visão do mundo. As primeiras histórias dele eu nunca publiquei, eram fragmentos de um adolescente no interior de São Paulo, como eu fui. Aí depois eu abandonei esse projeto e quando eu fui escrever o meu primeiro romance, Bellini e a Esfinge, em 1994, na época eu estava lendo muita literatura policial e quis fazer um livro de literatura policial. Ao criar o meu livro, eu criei esse detetive, que é um homem desiludido, fracassado, que tem umas tiradas irônicas e reflexões um pouco desiludidas sobre o mundo em que a gente vive.

AUN – Você não teve receio quanto à adaptação do seu livro, já que o cinema exige uma outra linguagem?

TB – Eu já aprendi com o tempo que toda adaptação para o cinema tem que mudar a essência do livro. São raros os livros que são transportados literalmente para o cinema e que você fica satisfeito com o resultado no cinema. Geralmente, nos frustramos um pouco quando vemos no cinema a adaptação de um livro de que tanto gostamos. Como é uma linguagem diferente, o livro deve mesmo servir só como uma base para o filme ser feito, que é o que acontece aqui; Bellini e o Demônio é um filme totalmente diferente do livro. Por exemplo: uma das coisas que eu acho mais legais do livro, que é o monólogo interior de Bellini, é impossível de transpor para o cinema. Não é que eu fico apreensivo, mas quando eu vendo os direitos de uma obra minha eu já aceito que vai ser diferente, e quando se aceita não se sofre tanto.

AUN –Mas o resultado da adaptação do filme foi positivo?

TB – Foi muito positivo. É um filme interessante, mas diferente do livro porque ficou um filme mais fantástico. No meu livro, o livro perdido é um romance policial do Dashiell Hammett que nunca foi publicado, e no filme é o livro do Aleister Crowley, ligado à magia negra. Eu fico muito satisfeito porque é um filme muito bem realizado, muito legal. Agora, a pessoa vendo o filme não quer dizer que leu o livro, pois são emoções diferentes.

AUN – Não se teve aquele receio de cair no lugar comum e nos estereótipos?

TB – Eu não participei da feitura do filme. No caso do filme, eles correram esse risco, é um risco que se corre mesmo. Eu, de certa maneira, também corri esse risco dos estereótipos da literatura policial, o tempo todo você tem que tentar fugir do clichê para não cair no óbvio. Acho que o filme conseguiu fugir desse óbvio porque fica muito aberto, até o final dele brinca um pouco com essa idéia da literatura de Jorge Luis Borges, da pessoa encontrando a si mesma e a idéia do demônio como um aspecto dentro de você mesmo.

AUN – Em algumas entrevistas, você afirmou que o Bellini tem um teor sarcástico e existencialista. Os personagens são uma parte de seus autores ou é algo completamente distinto obra e autor?

TB – Todo personagem tem um pouco do autor. Todo personagem que eu invente, por mais que eu tente fazê-lo diferente do que eu sou, sempre ele parte de mim e, inevitavelmente, tem aspectos meus. Agora esse sarcasmo do Bellini, que é mais claro no livro, essa ironia e desilusão dele fazem parte da idéia que eu tenho do mundo. Não sou tão irônico nem sarcástico nem desiludido, mas coloco nele toda uma ampliação dessa minha desilusão.

AUN – Hoje o artista se torna mais importante do que a obra?

TB – Infelizmente sim [risos]. Essa cultura da celebridade é uma coisa que vem acontecendo há muito tempo, já começou no século passado. Faz parte do nosso tempo, né? Existe o artista e existe a obra e de certa forma estão um pouco desatrelados. Às vezes a obra é boa e você nem sabe quem é o artista e às vezes você nem sabe qual é a obra e o artista é uma celebridade. Faz parte dessa cultura do nosso tempo, e eu estou envolvido nela, não dá para negar. Eu sou escritor e ao mesmo tempo eu sou guitarrista de uma banda… Então, eu não sei até que ponto as pessoas conseguem avaliar uma obra minha sem levar em conta o artista. Eu acho que seria mais interessante que a gente desse mais atenção para a obra, mas os artistas aparecem muito e acabam dificultando. Eu gosto muito e invejo esses escritores que não dão entrevistas, que não aparecem, é uma forma de preservar a obra. Mas isso seria impossível pelo fato de eu ser um guitarrista de uma banda que já está dentro de um sistema de mídia, é uma alternativa que eu não tenho.

AUN – A crítica constrói ou destrói?

TB – Eu acho que as duas coisas. Cada vez se tem menos o trabalho do crítico de fazer uma análise sobre a obra. A gente tem muita informação sobre a obra. Na crítica no Brasil, às vezes eu sofro de um preconceito pelo fato de ser um músico escrevendo, às vezes as pessoas duvidam que um guitarrista de rock possa escrever um livro. Mas eu não me pauto muito na crítica, uma obra requer mais tempo. O que uma obra significa é o tempo que responde, com os leitores e tal. A crítica é importante, mas não tem força para construir ou destruir, é sempre a obra que se faz, para o bem e para o mal.

AUN – Como você enxerga o Brasil nesse intercâmbio cultural, proporcionado por eventos como o Fantasporto, por exemplo?

TB – Eu acho o Brasil muito autocentrado. Tirando a produção americana, principalmente na música, no Brasil é difícil fazer sucesso de verdade músicas latinas ou de Portugal ou da Espanha ou de outros países da América do Sul e da América Central. Acho que nós temos um certo preconceito no Brasil contra músicas que não sejam, por exemplo, cantadas em inglês e em português. Eu acho que a cultura brasileira é um pouco fechada nesse sentido, a gente não tem muito conhecimento do que acontece fora do nosso país, como esse festival, por exemplo, que tem o foco num tipo de cinema específico.

(*) Festival Internacional de Cinema do Porto. Este ano a mostra foi realizada no final de fevereiro, em sua 29ª edição. Por problemas técnicos com o “upload” das fotografias, só agora a AUN está veiculando a entrevista com o escritor e guitarrista dos Titãs.

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